quarta-feira, julho 30, 2014

DESENCANTADO


Hoje estou desencantado do amor.

Desencantado: o avesso de sua palavra preferida.

Hoje acho que vou morrer solteiro e cínico, acho que vou morrer sozinho e cítrico, vou morrer desiludido e ríspido.

Hoje tenho ódio das aparências, dos perfis perfeitos nos aplicativos, da compreensão fingida do início.

Hoje tenho ódio da paixão que não continua com os defeitos.

Hoje tenho ódio de quem se apresenta de um jeito para agradar e não assume o que é desde o primeiro encontro.

Espumoso ódio daquele que tudo concorda para depois sabotar, que tudo aceita para depois sonegar, que tudo quer para depois rejeitar.

Indomável ódio da loucura invisível das pessoas, que são sempre certas e exatas em seu raciocínio e volúveis em seus desejos. Imenso ódio dos que jamais dobram os braços para agradecer e os joelhos para rezar.

Absoluto ódio da confiança, palavra traiçoeira, que é apenas mais um sinônimo para esperança.

Insaciável ódio das frases ditas para sempre e que não duram nem alguns meses.

Invejável ódio da convivência de afeto espaçado e de ternura episódica. Incomparável ódio do egoísmo disfarçado de independência.

Implacável ódio da crueldade que todos recebem quando se desarmam por completo.

Incompreensível ódio de me expor, pois não há como se esconder dos próprios sentimentos.

Hoje estou desencantado do amor.

Mas só hoje.

Fabrício Carpinejar

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